Crimes contra a humanidade continuam alimentando injustiças sociais.
Por Renata Di Nizo, Dezembro 2023
Sou parte da branquitude que demora para vislumbrar o que acontece nos bastidores da exclusão da maioria da população brasileira. Isto mesmo. Você tem que ser indígena para saber na pele o que é o extermínio; ser negro para saber o que é o racismo; ser mulher para estar exposta ao crime do estupro e do feminicídio a cada 8 minutos; ser LGBTQ+ para conviver com a morte anunciada.
Diante de tanta violência, não é suficiente ter grana. A cantora brasileira Ludmilla revela que foi chamada de ‘macaca’ por Thiago Gagliasso: “um dos piores racismos que já sofri”. O jogador Vinicius Junior, alvo de racismo da torcida do Valencia, ficou a ver navios quando o clube não se manifestou e a imprensa local se referiu a ele como “Pinóquio”.
Minha amiga do peito espanhola me disse que não se pode generalizar, é bem verdade, menos ainda ignorar a falta de letramento racial que não é privilégio dos brasileiros. Os europeus também fomentam analises distorcidas sobre as dinâmicas raciais.
As narrativas do ponto de vista da branquitude colonizadora, lucram até hoje com a miopia social.
O mundo não pertence a quem cedo madruga porque as oportunidades nunca foram as mesmas. Viola Davis em 2015 é a primeira negra a vencer o Emmy de melhor atriz. Em seu discurso dedica o prêmio aos roteiristas afirmando que “a única coisa que separa mulheres de cor de qualquer outra pessoa é oportunidade. Não se ganha esse prêmio sem um papel”.
O CONGO:
Um pouco de historia para refrescar a memória. O imperador belga Leopoldo II lucra 1 bilhão de dólares ao transformar o Congo em sua propriedade privada. A exploração dos recursos naturais por meio de trabalho forçado, não hesita em torturar e mutilar, deixando em menos de 15 anos, o saldo de cinco milhões de mortes. Nenhum pedido de desculpas ou indenização pelas atrocidades cometidas.
Das mãos do rei para o estado, o Congo passa a colônia belga até 1960 quando o país se emancipa. A alegria dura pouco. Além da fragilidade econômica, natural em territórios colonizados, o forte boicote norte-americano/europeu assegura durante 32 anos uma ditadura sanguinária. O próximo passo é acusar a incompetência do governo, fazendo de conta de que a missão do primeiro mundo é salvaguardar os direitos humanos.
O esforço não foi em vão. A República Democrática do Congo detém cerca de 75% das maiores reservas mundiais do coltan, mineral encontrado nos produtos eletrônicos, além de outros componentes usados no telefone celular: estanho, ouro e tungstênio. A extração desses minerais ainda artesanal, acontece sob a vigilância de milicias armadas. Muito provavelmente, nosso celular contém o sangue proveniente da violência e dos interesses mundiais.
NAMÍBIA: PILOTO NAZISTA
Com toda razão, os judeus se encarregam de que nunca esqueçamos do holocausto. Então, espera-se igual consternação com o que ocorreu na Namíbia. 14 mil pessoas, entre elas, mulheres, velhos e crianças, submetidas ao piloto nazista, morrem em campos de concentração dirigidos pelos colonizadores alemães.
Na obra de Eugen Fisher “Os bastardos de Rehobot e o problema da miscigenação dos seres humanos”, evidencia-se a experiência de campo em um povoado ao norte da Namíbia. Ali se experimenta na prática os germes da segregação e do extermínio como mecanismos do sentimento de superioridade racial. Fisher acaba comandando a política eugenista da Universidade de Berlin, tendo como um dos seus alunos o médico Joseph Mengele.
Dessa maneira, a colonização do sudoeste africano representa o balão de ensaio alemão para as práticas de extermínio coletivo dos judeus. Em suma, a ocupação e os conflitos sangrentos do país foram decorrentes do projeto europeu de instalação do sistema colonial na África.
Não apenas as autoridades europeias, quanto a classe média, ou seja, o cidadão comum, foram cúmplices ao levar para a Europa a barbárie nazista testada previamente na Namíbia. Assim, é importante manter na memória tanto os horrores do genocídio nazista, quanto da escravidão - crime contra a humanidade tão hediondo quanto o colonialismo e o neocolonialismo.
DOENÇAS BRASILEIRAS
Não à toa o Brasil é o país contemporâneo que mais tardou em abrir mão da escravidão. São cada vez mais comuns notícias de “racismo recreativo” como a do médico Márcio Antônio de Souza Júnior condenado por acorrentar pelos pés e mãos o homem que trabalhava em sua fazenda. Chocante igualmente as pessoas resgatadas em condições análogas à de escravos, como o do adolescente de 17 anos encontrado na carvoaria do juiz do trabalho aposentado Antônio Amado Vieira. Há inúmeros casos de mulheres mantidas como empregada doméstica, sem salário por décadas.
Por um breve momento, houve a esperança de uma negra ocupar a cadeira no Supremo Tribunal, porém sem maioria no Congresso, na dança da cadeira, não há autonomia de decisões. O recado é claro: homens brancos continuam repartindo o bolo entre eles. Uma sociedade misógina e racista não aceitará facilmente uma mulher, muito menos negra.
Nossa sociedade não avança enquanto se levar os negros para a sala especial dos supermercados; enquanto houver indícios de racismo e não se corrigir as injustiças sociais. A pobreza aponta a negligencia do Estado com relação à população negra e indígena, excluídas e dizimadas com o consentimento imoral do cidadão “de bem”. São imperiosas a reparação e a admissão de negros e mulheres em todas as instituições do poder.
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